quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Sobre um luar de agosto

Imagem: Internet

Na manhã de domingo, sob o ar impregnado de um odor enjoativo, despertou com o sol batendo no rosto e com o mugido melancólico dos bois. Sentia-se abatida e  movimentava-se com dificuldade já que o corpo todo lhe doía.
Na noite anterior havia feito uma breve visita  ao amigo Antônio na fazenda vizinha. Conversaram na varanda enquanto tomavam vinho e regressara a casa por volta da meia noite.
Agora, tudo que  precisava era sair o mais rápido possível da atmosfera modorrenta do curral e apagar quaisquer vestígios do recorrente pesadelo.
Entrou em casa e subiu até o quarto. Como de costume, tomou um banho demorado, colocou as lentes de contato verdes para encobrir o residual vermelho na cor dos olhos, cortou a enorme garra - desta vez no dedo indicador direito -, aplicou cicratizante nos arranhões, depilou um tufo de longos pelos ásperos que se destacava no ombro esquerdo e desceu até o canil. Recolheu o corpo destroçado do seu cão labrador e o enterrou no jardim. Limpou as marcas de sangue do chão e em seguida, ligou insistentemente para o amigo Antônio a fim de  confirmar o passeio de barco.  Compreendeu então que  ele não poderia atender.
E tudo se consumava mais uma vez.


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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Natimorto

Imagem: Frida Kahlo

Fi-lo,
não nego 
renego
 o tardio parto.
 rebento indigente,
de vestes tão ralas
de tão tosco pano.
que fio ordinário
urdiu obtusos versos?


Inês mota

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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Laura

(Imagem da Internet: Desconheço autoria)

No dia em que nasceu do ventre de Maria Antônia, se chamava Laura.
Não tardaria a se chamar Laura de Maria Antônia de Zé Camelo.
Ao casar-se, virou Laura do coronel Murilo Gondim.
Insana, tornou a ser Laura.
Sem sobrenome e sem dono.
Louca e livre.

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domingo, 15 de agosto de 2010

Mea Culpa

Foto: Inês Mota

Paulo, meu neto, tem quase 5 anos. Ontem, depois de uma incursão com um grupo de amigos pelo Bloco 10, voltou com um galo feio na testa.
A despeito das chacotas que fazemos de que ele é o chorão da praia, não costuma ser mofino diante dos pequenos infortúnios próprios da tenra idade. Tanto que toma vacinas e injeções avisando logo que não vai chorar, pois trata-se apenas de uma picada de formiga e no máximo vai emitir um discreto ai.
O pranto, via-se, não era espontâneo, mas fomentado pela gravidade que os próprios amigos pareciam imprimir ao fato, e ele provavelmente sentiu algo distinto da reação que costumava captar diante das menos graves desditas anteriores. Tanto é que vez ou outra cessava o choro e olhava confuso para cada um dos companheiros, buscando subsídios a veredicto menos preocupante.
Desvende o resto do texto aqui:
http://objetobscuro.blogspot.com/2010/08/mea-culpa-ines-mota.html


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Memória olfativa

Imagem da internet- Desconhe


Enquanto ouço o barulhinho monótono da lavadora, me veio à memória o penoso trabalho que era lavar as roupas da nossa casa na época em que eu era  uma criança com 9 ou 10 anos de idade.
Éramos já uma família numerosa e essa tarefa era minha responsabilidade
Antes de o sol sair, eu e um dos meus irmãos mais novos, meu auxiliar, nos dirigíamos a uma lavanderia pública. Quando possível, escolhíamos a pedra mais próxima da caixa d’água para facilitar a tarefa. Com os equipamentos a postos, uma bacia, uma lata grande de zinco e um banquinho, iniciávamos o serviço.
Desvende o resto do texto aqui:
http://objetobscuro.blogspot.com/2009/06/memoria-olfativa.html

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sábado, 14 de agosto de 2010

Fórceps

Añañuca amarela, flor do deserto. Por Leon Calquin

O poema na escrvaninha é mudo
a ideia é surda
a mão é inútil
suspira
inerte

O poema na escrivaninha é surdo
a mão é muda
a ideia é inútil
suspira
 inerte



O poema na escrivaninha é inútil
a ideia é muda
a mão é surda
suspira
inerte

A escrivaninha
a mente árida
a mão submissa



 o poema 

 inerte
 inútil

 surdo
mudo

germinará?



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sábado, 7 de agosto de 2010

Fantástico Realismo

(Todas as imagens: Rob Gonsalves)

Os dias nublados que são especialmente mágicos aos olhos de Agnes são também aqueles em que parece haver algo de tenebroso na atmosfera que inquieta sua alma. Urge escalar o galho mais alto da cajaraneira e espreitar pelo caleidoscópio:
Vó Chiquinha chama porcos e galinhas com um cuxe, cuxe, um tico, tico, tico. Vaidosas, elas não querem molhar a plumagem e logo se empoleiram, ao ouvir do Vô Joca que o pai da coalhada anuncia um pé d´água. O porco Joaquim, coitado, que ficou surdo com o barulho da bigorna do Janúncio, nesse dia não voltou ao chiqueiro. Nem nesse dia nem nunca mais. Dizem que anda de bicicleta na Granja do seu Ramiro, entregando cartas para os que sentem saudade.


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domingo, 25 de julho de 2010

Ontem

Imagem da Net

Os pés descalços no leito seco do  rio Piranhas. As mãos miúdas cavam em busca da granulação mais fina da areia que irá polir as panelas da mãe. 


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Detalhe

Imagem da Net

Pela fresta do assento do ônibus vislumbram-se costuras de traços trôpegos e cores distintas na etiqueta que o homenzinho insite em manter na velha calça jeans.


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sábado, 19 de junho de 2010

Deserto - Victor Barone

(Foto: Erick Reis)


Deserto
em minha boca
seca a palavra
cala o poema.

Meada
rompida em minha mente
se desfaz em fiapos.

Deserto
em minha alma
seca o poema
cala a palavra.

De certo
a palavra seca
germinará
calma.


'Deserto' está no livro "Outros Sentidos"- Victor Barone (07/2008)

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