(Todas as imagens: Rob Gonsalves)
Os dias nublados que são especialmente mágicos aos olhos de Agnes são também aqueles em que parece haver algo de tenebroso na atmosfera que inquieta sua alma. Urge escalar o galho mais alto da cajaraneira e espreitar pelo caleidoscópio:
Vó Chiquinha chama porcos e galinhas com um cuxe, cuxe, um tico, tico, tico. Vaidosas, elas não querem molhar a plumagem e logo se empoleiram, ao ouvir do Vô Joca que o pai da coalhada anuncia um pé d´água. O porco Joaquim, coitado, que ficou surdo com o barulho da bigorna do Janúncio, nesse dia não voltou ao chiqueiro. Nem nesse dia nem nunca mais. Dizem que anda de bicicleta na Granja do seu Ramiro, entregando cartas para os que sentem saudade.
Um vento azulzinho de anil passa correndo vindo da casa de tia Maria e assobia a música preferida dela:
Seu Zé Paraíba / Seu Zé das "criança"
Foi pro Paraná / Cheio de esperança
Levou a "muié" / E seis barrigudinhos
Pedro, Joca e Mané / Severina, Zefa e Toinho...
No norte do Paraná / Todo serviço enfrentou
Batendo enxada no chão / Mostrou que tinha valor
Dois anos de bom trabalho / Até cavalo comprou
(...)
Se nordestino é pesado / É do ofício cavar
É como diz o ditado: / "Corda só quebra no fraco
Deus quando dá a farinha / O diabo vem e rasga o saco"
Aquele fogo maldito / Que o Paraná quase engole
José brigava com ele / Acompanhado da prole
Vosmecê fique sabendo / Que José nunca foi mole
Depois de tudo perdido / José voltou pro ranchinho
Foi conferir os "menino" / Tava faltando Toinho
Voltou em cima do rastro / Gritando pelo caminho
Cadê Toinho...
Cadê Toinho...
A libélula gigante transporta o sapo-cururu que vai pra festa no céu e desce para descansar um bocadinho na folha enferrujada da bananeira que caiu de fraca porque tomou clorofila e foi dormir na sombra.
Todos os vagalumes da comitiva que alumiam o caminho também apagam as luzes e se deitam, observados pelos olhos enormes dos girassóis que usam relógios atrasados e pensam que ainda é dia.
Uma rodilha de cobras cascavéis cai dentro da rede do irmão pequeno e a Agnes as retira com um pau e as mata bem matadinhas. Arrepende-se ao perceber que elas vão ter filhotes e lhes devolve a vida, sob a condição de não mais assustarem o irmão. Caso contrário, morrerão para sempre, porque dessa vez não sobrou nada da varinha de condão: a mãe a usou como gravetos para acender o fogo de lenha.
Antes do café da manhã, Agnes e os irmãos comem o sereno da noite misturado com orvalho, cebola branca, asas de anjos de açúcar, pedacinhos de estrelas cadentes e migalhas de lua cheia. Assim, garante a mãe, os meninos não morrem afogados no riacho. Não serão acometidos de bexiga, de sarampo e muito menos de papeira e mau-olhado.
A vaca malhada mastiga e remastiga uma moita de mastruz e espera deitada enquanto ouve uma cantiga pra boi dormir. O leite misturado com a erva vai curar a perna da ovelha Belinha e o braço quebrado do primo Davi. Quando o tio Amor sacrificar a Belinha pro casamento da Rita, encontrará a linha verde-escuro que lhe costurou o osso. Agnes se pergunta se haverá a mesma costura no braço do primo.
A rouxinol, que fez seu ninho na cabaça pendurada no brabo da cozinha junto à foto desbotada do Jânio Quadros com a Vassoura (pretendia varrer o mal do país. Coitado...) Depois vem reclamar chorosa que o gato mourisco comeu todos os seus filhotes recém-nascidos. O gato, como castigo, vira biscuit que enfeita o petisqueiro e vigia para que os ratos não comam a compota de goiaba. Os rouxinóis, consolados, namoram no pé de juazeiro.
Agnes acredita que a palavra aluno, pronunciada tantas vezes na escola dos meninos grandes, não é outra coisa senão uma plantação enorme de guarda-chuvas feitos com papel prateado de carteiras de cigarros, que pendem vertiginosamente do teto da sala da casa de dona Cléa e encandeiam os olhos.
Seu Nonô passa com um balaio de pão doce, solda preta e cuscuz com coco. A menina bebe todos os cheiros dos acepipes e os guarda consigo ainda hoje. Seu Nonô passou a vender pamonha, chouriço e cavaco chinês. E desconfiado, se benze toda vez passa na estrada e não chega nem perto da casa de Agnes.
Uma nuvem em forma de elefante passa rente ao pé de favela e fura a barriga. Chora tanto que rega a horta de cebolinha da mãe e a plantação de milho, feijão e melancia do seu Emídio. É consolada pelo sol, que abre o olho e a convida pra brincar de pintar arco-íris até o céu ficar escuro e acabar toda a tinta.
O calango verde e gordo come todos os melões caetanos enroscados nos arames da cerca e a mãe quase morre de susto quando o encontra bem amarelinho dentro do jerimum que cozinha pro jantar. Ele foge apressado, cai dentro da tina de tingir os novelos de fios da tecelagem e sai verdinho da silva de novo.
Um beija-flor entra apressado pelo ouvido de Agnes e sai pela sua retina, indo comer o mel na flor do algodão e da chanana. Ela, por isso, só gosta das flores vivas. Para ela, receber flores arrancadas do pé é o mesmo que ganhar arame farpado.
A mãe reclama: Agnes, já é noite e vai chover. Desça já daí e entre pra dentro, senão você vai virar poeta feito seu pai.
Agnes ouve. Desce.
Entra e fica triste por não escrever versos.
O pai continua poeta.
Agnes não sobe mais em árvores.
Constrói castelos lúdicos com cacos de histórias para adultos incautos.
Foi pro Paraná / Cheio de esperança
Levou a "muié" / E seis barrigudinhos
Pedro, Joca e Mané / Severina, Zefa e Toinho...
No norte do Paraná / Todo serviço enfrentou
Batendo enxada no chão / Mostrou que tinha valor
Dois anos de bom trabalho / Até cavalo comprou
(...)
Se nordestino é pesado / É do ofício cavar
É como diz o ditado: / "Corda só quebra no fraco
Deus quando dá a farinha / O diabo vem e rasga o saco"
Aquele fogo maldito / Que o Paraná quase engole
José brigava com ele / Acompanhado da prole
Vosmecê fique sabendo / Que José nunca foi mole
Depois de tudo perdido / José voltou pro ranchinho
Foi conferir os "menino" / Tava faltando Toinho
Voltou em cima do rastro / Gritando pelo caminho
Cadê Toinho...
Cadê Toinho...
A libélula gigante transporta o sapo-cururu que vai pra festa no céu e desce para descansar um bocadinho na folha enferrujada da bananeira que caiu de fraca porque tomou clorofila e foi dormir na sombra.
Todos os vagalumes da comitiva que alumiam o caminho também apagam as luzes e se deitam, observados pelos olhos enormes dos girassóis que usam relógios atrasados e pensam que ainda é dia.
Uma rodilha de cobras cascavéis cai dentro da rede do irmão pequeno e a Agnes as retira com um pau e as mata bem matadinhas. Arrepende-se ao perceber que elas vão ter filhotes e lhes devolve a vida, sob a condição de não mais assustarem o irmão. Caso contrário, morrerão para sempre, porque dessa vez não sobrou nada da varinha de condão: a mãe a usou como gravetos para acender o fogo de lenha.
Antes do café da manhã, Agnes e os irmãos comem o sereno da noite misturado com orvalho, cebola branca, asas de anjos de açúcar, pedacinhos de estrelas cadentes e migalhas de lua cheia. Assim, garante a mãe, os meninos não morrem afogados no riacho. Não serão acometidos de bexiga, de sarampo e muito menos de papeira e mau-olhado.
A vaca malhada mastiga e remastiga uma moita de mastruz e espera deitada enquanto ouve uma cantiga pra boi dormir. O leite misturado com a erva vai curar a perna da ovelha Belinha e o braço quebrado do primo Davi. Quando o tio Amor sacrificar a Belinha pro casamento da Rita, encontrará a linha verde-escuro que lhe costurou o osso. Agnes se pergunta se haverá a mesma costura no braço do primo.
A rouxinol, que fez seu ninho na cabaça pendurada no brabo da cozinha junto à foto desbotada do Jânio Quadros com a Vassoura (pretendia varrer o mal do país. Coitado...) Depois vem reclamar chorosa que o gato mourisco comeu todos os seus filhotes recém-nascidos. O gato, como castigo, vira biscuit que enfeita o petisqueiro e vigia para que os ratos não comam a compota de goiaba. Os rouxinóis, consolados, namoram no pé de juazeiro.
Agnes acredita que a palavra aluno, pronunciada tantas vezes na escola dos meninos grandes, não é outra coisa senão uma plantação enorme de guarda-chuvas feitos com papel prateado de carteiras de cigarros, que pendem vertiginosamente do teto da sala da casa de dona Cléa e encandeiam os olhos.
Seu Nonô passa com um balaio de pão doce, solda preta e cuscuz com coco. A menina bebe todos os cheiros dos acepipes e os guarda consigo ainda hoje. Seu Nonô passou a vender pamonha, chouriço e cavaco chinês. E desconfiado, se benze toda vez passa na estrada e não chega nem perto da casa de Agnes.
Uma nuvem em forma de elefante passa rente ao pé de favela e fura a barriga. Chora tanto que rega a horta de cebolinha da mãe e a plantação de milho, feijão e melancia do seu Emídio. É consolada pelo sol, que abre o olho e a convida pra brincar de pintar arco-íris até o céu ficar escuro e acabar toda a tinta.
O calango verde e gordo come todos os melões caetanos enroscados nos arames da cerca e a mãe quase morre de susto quando o encontra bem amarelinho dentro do jerimum que cozinha pro jantar. Ele foge apressado, cai dentro da tina de tingir os novelos de fios da tecelagem e sai verdinho da silva de novo.
Um beija-flor entra apressado pelo ouvido de Agnes e sai pela sua retina, indo comer o mel na flor do algodão e da chanana. Ela, por isso, só gosta das flores vivas. Para ela, receber flores arrancadas do pé é o mesmo que ganhar arame farpado.
A mãe reclama: Agnes, já é noite e vai chover. Desça já daí e entre pra dentro, senão você vai virar poeta feito seu pai.
Agnes ouve. Desce.
Entra e fica triste por não escrever versos.
O pai continua poeta.
Agnes não sobe mais em árvores.
Constrói castelos lúdicos com cacos de histórias para adultos incautos.
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