sexta-feira, 24 de abril de 2009

Poder pode...mas se avisar



Imagem da Net

Tenho uma amiga que nunca se conformou com o fato de eu vir morar em Natal.
Reclama muito, porém, sempre mantemos contato por telefone ou e-mail. Outro dia recebi dela o seguinte e-mail, que terminei de ler às gargalhadas.


"Querida amiga.
Ainda não sei por que você insiste em viver nesse lugar. Venha-se embora, mulher, que o seu canto é aqui! Praia não enche bucho de ninguém, não!
Como é do seu conhecimento, sigo vivendo do mesmo jeito. Todos os dias vou sentar meu bundão gordo (tô virando baleia, criatura!) nos bancos da Praça do Rosário até as 8 horas e depois vou dormir, que acordo cedo pra fazer a merda do grolado do meu almoço antes de sair pra labuta.
O trabalho é aquela coisa que você já conhece: nem fede nem cheira. O dinheiro que recebo no final do mês é que parece que a cada dia encolhe mais. E o patrão (vou nem dizer o nome...) é um grande filho da puta. O salário dele tá uma beleza. Mas ele quer mesmo é foder todos os funcionários. Sem cuspe!
Bem, mas tenho uma novidade. Que é boa e ruim ao mesmo tempo: Lembra que eu dizia que em matéria de romance eu não conseguiria mais nem pro café? Pois não é que caiu um desavisado... um incauto na rede... E não foi na internet, não!


Imagem da Net

Foi assim:
Eu tava passeando com meu cachorro Ringo (sabe que é por causa dos Beatles, né?) aí ele passou. É um cara bem apessoado que mora lá pras bandas do Acampamento. Olhinho verde, marombado, mexe com esse negócio de capoeira. Uma gracinha.

Mas como eu ia dizendo: ele passou e caiu na besteira de falar que Ringo era lindo... Olha só! Ringo, bonito! O bichim tá feio, velho e sarnento, coitado! Aí eu agradeci com o meu melhor sorriso blasé ensaiado.
E ficou por isso mesmo até o dia do show de Zé Ramalho lá na Ilha. Encontramo-nos e ficamos como quem não quer nada, conversa mole pra lá, conversa mole pra cá. 'Tá muito calor aqui, o céu tá estrelado ali, 'acho que vai chover...' Nem ouvimos o show direito, porque ver ninguém via, de tanta gente, mas tomamos um monte de latinhas de skol em meio àquele clima de quem quer coisa.

Na volta pra casa ele foi me deixar e já foi rolando uns beijinhos. Aí, eu já mais à vontade, perguntei se ele achava meu cachorro bonito mesmo. Ele confessou que só falara aquilo pra puxar conversa... Aí foi a vez dos amassos, do pega aqui, pega ali, que não sou de ferro, e tava num jejum danado de muitos meses. Fui dormir assanhada que nem formigueiro quando vê tamanduá.
No dia seguinte ele me ligou e já me perguntava se podia ir lá em casa pra gente conversar melhor. 'Ah, Ele quer conversar melhor', pensei...
Combinamos para a quarta-feira às sete da noite.

Eu fiquei ansiosa demais. Arrumei a casa no capricho, comprei uns queijos, umas coisinhas pra tira- gosto e duas garrafas de vinho tinto suave.
Tomei um banho daqueles, lavando e escarafunchando por todo canto (nunca se sabe né?). Perfumei-me e vesti uma roupa nova...
Ele chegou pontualmente e trazia outra garrafa de vinho. Sentamos-nos na sala e nos atracamos logo. E tome beijo e abraço!
Tomamos uns vinhos no clima romântico da sala, à meia-luz... Botei umas músicas pra tocar no DVD e foi só romance. Depois caímos na cama feito uns doidos. Ele era muito carinhoso e gentil, Não deu outra. E fomos rapidinho pro que interessava.



Foi aí que aconteceu a tragédia.
Você sabe como sou fresca com certas coisas. Pois não é que bem no auge da coisa ele peidou em alto e bom tom? (Se é que pode haver bom tom pra uma coisa dessas). E ainda fingiu que não era com ele, pode? Sabe, aquele negócio - peidei mas não fui eu.



Eu fiquei passada de vergonha e me controlando pra não rir. Ainda assim, terminamos o que havíamos começado.
O cara é um sujeitinho bom de cama, viu? Despedimo-nos numa boa, com promessas de encontros futuros. Mas eu não esquecia a gafe e só lembrava de você. Não que eu esteja associando você a merda, por favor!
O fato é que não teve mais acordo. Não consiguia mais nem olhar na cara do sujeito. Se pelo menos ele tivesse avisado antes, acho que teria sido diferente. O que quebrou o encanto foi a surpresa. Desagradável, né?!
Enfim, tô sozinha de novo. Espero conseguir um namorado. Não gosto de ficar só.Você me conheçe.
Ainda continuo frequentando o Centro. Sempre escrevo algum pedido e deixo lá. Nem sei se Deus gosta disso, mas eu peço: 'Deus, faça uma forcinha pra que eu arranje um companheiro. Mas, por favor, que não seja um cagão e que, se for peidar, me avise. Amém!' ”



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quinta-feira, 23 de abril de 2009

Lex Talionis


                                                               Imagem da Net


"HOMEM BATE EM VACA DEITADA NA PISTA E MORRE"

Esta é uma manchete de hoje do Jornal local "Tribuna do Norte".
Sem intenção de fazer troça com a situação trágica, tudo o que imaginei na hora foi que um homem havia espancado uma vaca e depois morrido.
Imediatamente conjeturei as possíveis circunstâncias de sua morte.
Pensei a princípio que o dono do bicho, usando a lei de Talião, abatera o agressor na horinha mesmo.
Depois veio em mente que a própria vaca, revidando o ataque, poderia tê-lo chifrado até a morte ou, talvez, uma outra companheira solidária que houvesse presenciado o ocorrido. Ou o fizera o touro, seu companheiro, raivoso e indignado, pra mostrar que a vaca tinha dono sim senhor - ele!
Ou ainda, quem sabe, o próprio agressor se arrependera do ato ignóbil e dera cabo à própria vida.




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quarta-feira, 22 de abril de 2009

Mutante

Frida Kahlo

Cortou o fruto e a polpa surgiu amarela e côncava - uma boca banguela.
Foi até o pomar  e plantou as sementes do mamão sem sementes.
Sorriu. Achava maçante catar sementes nas frutas.
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segunda-feira, 20 de abril de 2009

Vai um mau tempo ai? Sim, obrigada!

Os conceitos de tempo bom e mau tempo são vagos e bastante subjetivos. Para alguns, bom tempo está associado a um solzinho ameno, uma temperatura agradável, mais ou menos equilibrada, e o mau tempo às chuvas, tempestades, tsunamis, furacões, tufões. Seriam conceitos desenvolvidos num meio predominantemente urbano e fútil, onde a maior preocupação seria com o tipo de roupa que se deve usar?


Não importa. Para mim, tempo bom é sinônimo de chuva. Quanto mais chuva, mais bom o tempo. De preferência no sertão, quando vem acompanhada do ribombar dos trovões e clarões dos relâmpagos; do som dos primeiros pingos que batem forte no chão ressequido; de um céu chumbo obeso, quase sinistro que enche o povo de alegria e os açudes e barragens de água.



Sangria do açude Gargalheiras (Marechal Dutra) Acarí/RN- Foto: Alex Gurgel

Assim, consolo-me, vendo as fotos das sangrias de alguns açudes no Seridó, em blogues que acompanho, enquanto vou-me contentando com a chuva da capital, que não tem a mesma simbologia, nem expectadores nas janelas, mas ainda assim é chuva.

E chove em Natal há várias horas. Chuva aqui é mais sinônimo de transtorno do que qualquer outra coisa. 50 ou 60 mm é o caos completo que inferniza a vida de milhares de pessoas. As ruas ficam totalmente alagadas e esburacadas e às vezes é impossível transitar a pé ou de carro. Sair, só no velho busão regado a xingamento de motorista.

Nada disso me afeta. Acordo feliz, animada, de bom humor. Tudo ao redor se transforma e as cores têm nuances intensas. Os cheiros em profusão, densamente concentrados na umidade, me embriagam.

Saio caminhando sob o guarda-chuva e chego atrasada à aula, deslumbrada com os peixinhos - sim, peixinhos - que vejo saltitando e retorcendo os corpos prateados na água que escorre rente à calçada, desde a saída do meu apartamento até o final da rua. De onde eles vieram não sei.

Se não sei a procedência, desconfio do motivo. Vieram para imprimir uma nova imagem à memória das minhas chuvas, agora, litorâneas. Torço para que eles cheguem até a lagoa de estabilização próxima e que esta seja, de fato, de águas pluviais como dizem...

E que perdure o mau tempo... por muito tempo!


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segunda-feira, 13 de abril de 2009

"Só gorjeando a sua dor exalam"

Não que ela estivesse infeliz na nova morada.
Tudo parecia perfeito, não fosse o passarinho que cantava tristemente numa gaiola ao lado da sua janela.
Um dia, abriu a portinhola e fez vários movimentos a fim de que ele percebesse a abertura e escapasse para a liberdade.
O pintassilgo, porém, dava voltas no exíguo espaço, chegava até à porta e recuava. Repetia os movimentos e a olhava, confuso.
Estariam seus olhos acostumados ao desenho das grades da clausura ao ponto de renegar o azul do céu? As suas asas estariam pesadas, dormentes e inaptas ao vôo? Teria perdido a capacidade de buscar alimento e sobrevivência junto aos seus iguais?
E se, ao contrário do que ela supunha, ele estivesse feliz e sereno ainda que condicionado pela total falta de expectativa que lhe fora imposta ?
Nunca saberia.
Dois dias depois, os vizinhos choraram ao sepultar o pequenino corpo na lata de lixo.
Ela sorriu. Sentia-se tão livre quanto o Pintassilgo.

* Imagem: Pintura de Magritte
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