domingo, 15 de agosto de 2010

Memória olfativa

Imagem da internet- Desconhe


Enquanto ouço o barulhinho monótono da lavadora, me veio à memória o penoso trabalho que era lavar as roupas da nossa casa na época em que eu era  uma criança com 9 ou 10 anos de idade.
Éramos já uma família numerosa e essa tarefa era minha responsabilidade
Antes de o sol sair, eu e um dos meus irmãos mais novos, meu auxiliar, nos dirigíamos a uma lavanderia pública. Quando possível, escolhíamos a pedra mais próxima da caixa d’água para facilitar a tarefa. Com os equipamentos a postos, uma bacia, uma lata grande de zinco e um banquinho, iniciávamos o serviço.
Desvende o resto do texto aqui:
http://objetobscuro.blogspot.com/2009/06/memoria-olfativa.html
Meu irmão, amiúde, se dirigia ao depósito para pegar água. A lata, já um tanto esgarçada nas bordas, não poupava suas pernas magricelas e não raro lhe arrancava nacos de carne, feridas que pela reincidência demoravam a sarar. Ele descia incontáveis vezes os degraus lodosos e escorregadios do tanque e nem sempre conseguia evitar quedas na água. Claro que havia os mergulhos propositais - nessa hora eu estava ajudando - e nos dávamos ao luxo de um pequeno lazer naquele lugar. Mas, quaisquer que fossem as circunstâncias do banho, se flagrados, era repreensão braba na certa. A infração  podia custar uns cascudos, já que por puro azar o vigia era nosso vizinho e não relutava em contar o episódio à Dona Hermínia.
A roupa era ensaboada à mão, peça por peça. E eram tantas peças, que parecia  que haviam-se reproduzido no caminho. Como não podíamos trocar de roupa com tanta frequencia, o esforço era dobrado para retirar o encardido das peças, principalmente as dos meninos,cujo tempo para  brincadeiras era mais franco e  costumavam jogar bola ou bricar de barra bandeira.
Sabão em pó? Nem pensar. Era um luxo inacessível do qual só ouvíamos falar. Usávamos umas bolas de sabão amarelo que comprávamos prontas ou  nós mesmos imprimíamos o formato  às barras pois  era mais fácil o manuseio.
Depois de esfregadas, as roupas eram estendidas num quarador de pedra, onde permaneciam por mais ou menos uma hora. Então eram recolhidas e enxaguadas. As  brancas, não prescindiam do anil, que era outra parte lúdica no processo. Em seguida eram espremidas com dificuldade, colocadas para secar, apanhadas e arrumadas numa trouxa.
Umas quatro ou cinco horas depois, cansados e famintos, voltávamos para casa.
Não era algo agradável de fazer. Mas, lavar era a melhor parte, pois em seguida viria a fase de passar a ferro de brasa, o qual eu tinha que manter quente e abastecido, livrando o carvão das cinzas que iam parar nos meus olhos.
Eram tarefas árduas que nos consumiam tempo. Tempo de estudar, tempo de brincar. Tempo de ser criança. Mas era preciso e reconhecíamos a necessidade de auxiliar nossa mãe nas incontáveis tarefas domésticas.
Porém, se havia algo de que eu gostava e que compensava um pouco o esforço, era o cheirinho agradável, tão peculiar que a roupa limpa exalava, em especial o meu lençolzinho surrado que a minha memória olfativa ainda guarda até hoje.

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