quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Tears in heaven - (Clapton canta a perda do filho)


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sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

M - O Vampiro de Dusseldorf (Fritz Lang)




"No raiar do cinema falado, esta obra notável do mestre realizador de Metrópolis (1927) e de Desejo Humano (1954), reúne em si o melhor dos dois mundos: reconhecemos tanto os melhores elementos expressivos dos filmes silenciosos, quanto utilizações sonoras (tanto ruídos quanto diálogos) cuja arte até hoje dificilmente é igualada. Vamos ver:Logo no começo do filme, temos uma das mais antológicas cenas da Sétima Arte: a câmera vem acompanhando em panorâmica a menina Elise Beckmann, que caminha batendo no chão a sua bola. Ela pára na frente de um poste e fica batendo a bola num cartaz de “procura-se”, que se refere justamente ao serial killer de garotinhas (eis o “vampiro” de Dusseldorf). Vemos apenas a bola batendo no cartaz – que antítese magnífica! Então, chega pela lateral a sombra de um homem (que já intuímos ser o assassino), cobrindo metade do cartaz. Quanta expressividade nessas metonímias! (a bola, o cartaz, a sombra) Digam-me que cineasta contemporâneo possui essas sutilezas... Esta cena, de acordo com o professor Ismail Xavier, apresenta ligações muito próximas com a estilística de Alfred Hitchcock. Em ambos os cineastas, temos como preocupação-mor significar o máximo possível através de meios exclusivamente cinematográficos.O assassino começa a conversar com a pequena Elise e a leva para passear. Aqui, tem-se um exemplo magnífico da montagem paralela oriunda de Griffith (veja-se a seqüência final de O Nascimento de Uma Nação) e que será aproveitada também por Hitchcock: enquanto o “vampiro” caminha com Elise pelas ruas, comprando-lhe balões, a mãe da menina espera ansiosa em casa, olhando para o relógio a todo momento, inquirindo os vizinhos, alegrando-se em vão quando tocam a campanhia (pois é apenas o carteiro). Os acontecimentos, seus dramas e seu suspense, vão sendo construídos lentamente através da montagem paralela. Na mesma seqüência, ocorre a versão cinematográfica do expediente literário do foco narrativo em 1ª ou 3ª pessoas: a mãe de Elise vai até o vão da escadaria em espiral (vemo-la pelas costas) e olha para baixo; então, vemos o que ela vê (câmera subjetiva). Este é outro expediente tipicamente hitchcockiano.Ah, não se faz mais cinema como antigamente!... Ainda nesta (como já disse, longa) seqüência, a mãe preocupada vai até a janela e grita o nome da filha. Corte. Vários planos, então, sucedem-se – acompanhados do som dos gritos da mãe (veja a integração artística dos recursos sonoros à imagem) – mostrando a escadaria vazia, o pátio vazio, o prato (vazio) de Elise colocado sobre a mesa do jantar, e, finalmente, uns arbustos em algum lugar desconhecido de trás dos quais sai rolando a bola da menina Elise. Precisa mostrar mais alguma coisa?
Após mais este crime, a população da cidade, especialmente aqueles que têm filhas pequenas, entra em verdadeira paranóia, o que desemboca – sem surpresa – numa terrível caça às bruxas. Procura-se o assassino serial em cada esquina, basta que um cavalheiro se dirija a uma criança. Começamos aqui a ver o poder perigoso de uma coletividade assustada (que no final do filme será levado às últimas conseqüências). Ainda preciso ler o essencial De Caligari a Hitler: Uma História Psicológica do Cinema Alemão, de Siegfried Kracauer, pois, pelo que sei até agora, ele trata da prefiguração do nazismo nos filmes expressionistas alemães.Enfim, toda a sociedade se une para combater o assassino desconhecido (o que, entendido com muito cuidado, não deixa de ser belo e interessante, já que se trata de uma ameaça a todos; porém, o que acaba acontecendo é que todos projetam seu ódio e sua paranóia na figura do “monstro assassino”, e isso, como já disse tem conseqüências perigosas). Até mesmo o crime organizado se une à tarefa – já que eles estão sofrendo cada vez maiores prejuízos com o aumento e a rigidez constantes da vigilância e das batidas policiais (por causa do serial killer). Em montagem paralela (mais uma vez), vemos a reunião dos criminosos e a reunião das autoridades da polícia, ambas discutindo meios de capturar o “vampiro”: o corte seco que separa os dois acontecimentos na verdade os une como se fosse uma rima, ou seja, igualando a lei e o fora-da-lei em equivalência. Chama muito a atenção aqui o exagero expressionista da fumaça dos cigarros – todos fumam nas duas reuniões. Mas é o crime organizado, com todo o seu “poder paralelo” que chega até mesmo a mobilizar os mendigos, que levará a melhor na captura do psicopata.Falando nos mendigos, outro exemplo de virtuosismo cinematográfico é quando a câmera passeia folgadamente pela sede da organização dos indigentes, focalizando aqui e ali cada grupo: uns separando bitucas de cigarros e charutos, outros restos de comida, alguns jogando cartas. É o olhar travando conhecimento total do ambiente; essa movimentação livre da câmera lembra A Grande Ilusão (1936), de Jean Renoir. Mais um exemplo da rica apropriação da nova tecnologia do sonoro: o psicopata é caracterizado, ao longo do filme, por uma certa melodia que ele assobia quando está em vias de cometer o seu crime; sua captura ocorre graças a um cego que vendera o balão a ele, quando estava com Elise Beckmann. O cego reconhece o assobio. Esse tipo de reconhecimento, muito apegado às coincidências, é típico da tragédia clássica.Finalmente, a longa seqüência final do julgamento (o filme todo se organiza em torno de longas seqüências muito detalhadas e explicativas, o que lhe dá certo caráter de reconstituição documental, já que se baseia numa história real: o “vampiro de Dusseldorf” agiu nos anos 20). É um julgamento totalmente informal, conduzido pelo crime organizado – com a presença da população local – na obscuridade do porão de uma fábrica abandonada. O “juiz” procura fazer o réu lembrar, enxergar, falar, lidar, enfrentar os seus atos hediondos. Então, Peter Lorre (que interpreta “M”) dá um show! Seu discurso é incrível e temos aqui de novo o bom aproveitamento dos recursos sonoros. É curioso pensar no fato de que o “vampiro” não recebe nome próprio algum, apenas alcunhas: “vampiro”, “M”, “monstro”, “assassino”, “pervertido”, etc. Apesar de a polícia, por sua vez, ter chegado a ele graças ao registro de sua internação passada em um manicômio, o filme não revela o seu nome ou a sua história. Ele não é um indivíduo humano dotado da dignidade cabível. Apesar dos seus crimes horripilantes, ele não passa de alvo, de encarnação para as piores projeções psíquicas da comunidade. A sombra que tomaria conta da Alemanha está se adensando.Ainda assim, é concedido ao réu um advogado de “defesa”. A coisa torna-se mais complexa, ainda mais ambígua e interessante. Os argumentos da acusação e da defesa discutem calorosamente os limites até hoje polêmicos entre justiça e vingança; entre punição e correção. Todos os argumentos, pontos de vista e fatos que povoam o debate, no Brasil atual por exemplo, sobre o problema da violência, particularmente sobre a pena de morte, estão no filme. De novo lá – e também aqui – o perigo da coletividade entregue a emoções primárias e de novo o perigo do nazismo, do qual não estamos tão distantes quanto gostaríamos de imaginar.
Será que eu conto o final? Veja o filme e surpreenda-se. E compare o seu desfecho com o fim que costumam levar muitos “vilões” em muitos filmes hollywoodianos da atualidade, até mesmo em desenhos animados. M, O Vampiro de Dusseldorf pode antecipar o nazismo, mas a posição que Fritz Lang toma em relação a ele é bem clara e reconfortante para nós. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito de muitos, muitos filmes de Hollywood que tratam de crime e castigo. Isso é que é realmente assustador..."(Por "Sombras Elétricas")

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