terça-feira, 9 de junho de 2020

MEMÓRIAS DE QUANDO FUI NETA II (Numa manhã de domingo, num tempo remoto).


Foto: Inês Mota
Na casa do Padrinho Amor- o tio-avô-, onde a menina reina ao lado do mano Dinarte, impera a liberdade e tudo é normal, natural e permitidíssimo. 

Ela pode derramar os esmaltes de unhas, usar o óleo de canela de boi nos cabelos e quebrar a perna da boneca de Rita. Mexer o enorme tacho de sabão de potassa que vomita bolhas fedidas a fato de bode. Soltar as cabras do curral, que correm em direção ao cocho para matar a sede. Catar os ovos nos ninhos das galinhas e, assessorada pelo irmão, quebrar todas as panelas de barro do incauto vizinho tio Chico de Joca, coitado, que ao mudar-se deixou-as sobre uma roda de carro de bois.

Embrenhar-se pelos mufumbos e juremas, a perseguir encantada, as cores dos pavões sem conseguir alcançar. Apanhar as frutas verdes e oleosas das oiticica que não prestam pra comer e fazer músicas com os chocalhinhos das vagens de gergelim. 

Espantar os porcos, guinés, perus, ovelhas e galinhas com um galho cheiroso de marmeleiro. Colher trapiás e os melões-caetanos que pendem como brincos de ouro das cercas de varas entre os pereiros.
Trepar-se no pilão da cozinha para alcançar as cabaças e admirar os filhotes no ninho de rouxinóis. 

"Tecer" pano de rede xadrez subindo e descendo os degraus do roído tear de madeira. Dar banho no pobre do gato amarelo que, com o rabo entre as pernas e um olhar rancoroso, corre agoniado direto para a rede do primo Janúncio. Comer com farinha, tripa e bofe de carneiro assados na brasa.

Embriagar-se fumando o cachimbo da tia Maria que, caçoando, adverte: " avie, menina, joga logo uma caneca d'água na parede, que o cheiro do barro acaba essa morrinha!".
Embriagada de tanto amor e carinho, caminhar pelas veredas do sítio e adormecer no mato macio, ouvindo a música do riacho do Vô Joca, que parece dizer:" sonha, menina, sonha enquanto é tempo, que sonhar faz um bem!".
Inês Mota;
Natal, 11 de agosto de 2010.
*Imagem (Penso que é de minha autoria): Casa onde nasci, no sítio Logradouro, município de São Bento (PB


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3 comentários:

Jens disse...

Oi Inês.
Que cheirinho bom de infância.
Que 2010 esteja sendo um ano maravilhoso para você é o meu desejo.

Beijo.

Ceres disse...

Muito bom!

Que final fantástico...parabéns.

Marcelo disse...

Qué bom sería ter uma ceremonia pra mudar á adultos!
Abraço