terça-feira, 6 de novembro de 2007

Rios sem discurso
Quando um rio corta, corta-se de vez
O discurso – rio de água que ele fazia
cortado, a água se quebra em pedaços,
Em poços de água, em água paralítica.
Em situação de poço, a água equivale
A uma palavra em situação dicionária:
Isolada, estanque no poço dela mesma
E porque assim estanque, estancada,
E mais: porque assim estancada, muda,
E muda porque com nenhuma se comunica,
Porque cortou-se a sintaxe desse rio,
O fio de água porque ele discorria.

O curso de um rio, seu discurso rio,
Chega raramente a se reatar de vez;
O rio precisa de muito fio de água
Para refazer o fio antigo que o fez.
Salvo a grandiloqüência de uma cheia
Lhe impondo interina outra linguagem,
Um rio precisa de muita água em fios
Para que todos os poços se enfrasem:
Se reatando, de um para outro poço,
Em frases curtas, então frase e frase,
Até a sentença rio do discurso único
Em que se tem voz a seca ele combate.
(MELO NETO, João Cabral de. In: A educação pela pedra.
Rio de Janeiro: José Olympio. 1979, p.26.)

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