terça-feira, 24 de julho de 2007

Nalgum lugar
(E.E. Cummings)
nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além
de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:
no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,
ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra
embora eu tenha me fechado como dedos, nalgum lugar
me abres sempre pétala por pétala como a primavera abre
(tocando sutilmente, misteriosamente) a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado, eu e
minha vida nos fecharemos belamente, de repente
assim como o coração desta flor imagina
a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala
o poder de tua intensa fragilidade: cuja textura
compele-me com a cor de seus continentes,
restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha
e abre; só uma parte de mim compreende que a
voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)
ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas.

No cd "Líricas" de Zeca Baleiro há uma música que gosto muito chamado 'Nalgum Lugar'. Essa belíssima música é um poema de E.E. Cummings (tradução de Augusto de Campos). No Encarte, Zeca Baleiro explica o porque de ter musicado esse poema:

"Há muito anos, vi no cinema 'Hanna e suas Irmãs", filme de Woody Allen, em que o personagem de Michael Caine, apaixonado pela irmã de sua mulher, a presenteia com um livro do poeta americano E.E. Cummings. A certa altura, ela abre o livro e lê um poema de amor lírico e comovente. Passei muito tempo com o eco daquele poema na minha memória..."
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