segunda-feira, 8 de junho de 2020

MEMÓRIAS DE QUANDO FUI NETA (Sobre maracujás e ninhos)

imagem: site BAIXAKI


Não saberia precisar quando e, quiçá, isso não seja relevante para quem se dispor a desperdiçar um bocadinho de tempo com escritos de quem pensa que pode sair por aí divagando sobre situações tão banais e insossas de sua infância.
Mas já que cheguei até aqui com esse delongamento introdutório, que nem de longe se arvora a triscar as tendências do Gongorismo ou Quevedismo, apenas brincar de fazer uso de muita ou pouca forma disforme para dizer pouco ou nada do que nada sei e não passa de pequena crônica despretensiosa.
O que posso afirmar é que foi num tempo em que, juro, eu não conhecia a história do Labirinto de Creta e tampouco ouvira falar do novelo de Teseu. Entretanto quando saia nas minhas insólitas viagens pela Caatinga, costumava levar uns grãos de milho que espalhava pelo caminho, os quais, sabia, me guiariam de volta para casa.
Eu buscava desbravar o mato cerrado, o desconhecido, a "grandiosidade" do sítio do meu avô, as árvores, os bichos, os riachos e córregos. Eu procurava especialmente as latadas de maracujá do mato, ao seu ver, erroneamente chamado de brabo, já que nunca presenciara qualquer atitude tempestuosa que lhe valesse tal alcunha. Deleitava-me com o divino o sabor das frutas, deitada na relva vendo manadas de bichos-nuvens fugazes, passeando com pressa e se desintegrando no azul do céu, quem sabe medrosas, temendo manadas ferozes no seu encalce.
Depois, já em casa, como era bom observar sorrateiramente a vaidade melancólica da minha mãe, tão atarefada, que à beira do fogão de lenha, se dava o direito de ficava bonita ornando os cabelos com as majestosas flores de maracujá matizadas de vermelho, azul e roxo, que eu trazia pra ela.
No dia em que me deslumbrei com a visão do primeira comida esquisita que me pareceu fios de tecer redes, cismei que aquilo dava em árvores e daí em diante, nas aventuras subsequentes. os passeios se tornaram mais longos, as caçadas mais meticulosas. Os maracujás já não eram objetos exclusivos de busca,
Jamais encontrei os tão cobiçados pés do que me disseram chamar-se macarrão e passei a desconfiar que eles davam mesmo era embaixo da terra, escondidos feito batata doce ou macaxeira. Ou, quem sabe, brotavam dos ninho enroladinho dos rouxinóis que eu vira pendurado junto ao silo de feijão do Vô Joca.
Naquele tempo, não tinha certeza de nada. Hoje, tampouco.
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2 comentários:

Dilberto L. Rosa disse...

Então se tratava de um peixe-voador ('post' anterior)? Então esta doce personagem não leu mitologia grega, mas, com certeza, ouviu as estórias de João e Maria à beira de alguma fogueira (entremeada com estórias ainda mais ricas, como a do Negrinho do Pastoreio),não é mesmo?! E quer dizer então que a senhora volta e não avisa aos amigos (teu 'blog' não aparecia atualizado em minha lista... Não sei por quê...)?! Que coisa feia! Nada mais contrário à beleza exótica da flor do maracujá mais doce... Abração e feliz 2011!

P.S.: E trate de voltar a escrever; seu amado anda bem mais produtivo que você tem sido nestes últimos e preguiçosos meses...

Jens disse...

Oi Inês.
Deliciosa a história que mistura imagens e sabores do sertão com uma doce ingenuidade aventureira. Onde será que nascem os pés de macarrão? No final do arco-íris, suspeito.

Beijo.