sábado, 7 de julho de 2007

Umas pérolas do Archanjo


Gabriel Archanjo de Mendonça
Fiat
Vestir a pele inconsútil da cariátide
e vencer o inseto obscuro
na noite definitiva.

Sorver a verticalidade nua
e transpirar o sol da estátua antiga
que a virtude não concebe.

Retalhar-se em moléculas de gozo
e consumir-se na luz.

Relicário
A noite do meu relógio
me manda arquivar mais um dia.
Um dia banal
ruminado a contragosto.

Mas sei
que este mesmo dia
há de ter seu momento
de glória
ao diluir-se na lágrima certa
dos guardados do meu futuro.

Aclive
A montanha
é um convite obstinado
da consciência.
A antevisão da posse
compensa os sobressaltos
da escalada.
Oh, a vertigem do inusitado.
Os pés se ferem
na ferrugem de agulhas
regeladas.
Avalanchas de pranto
rolando estrepitosamente
entulham gargantas
escancaradas.

Segredo
Eu quis depositar o meu segredo
nas tuas mãos de brasa
e desnudar minha alma ressequida
ante a crepitação de teus olhos.
Mas o vento
que me embalava o sonho
e que me trouxe a teus pés
soprou o sol
que forrava a tua imagem
e a noite se fez.
Que o vento
vomite as cinzas de meu sonho
por sobre a realidade
do meu leito.

Fastio
Mais noites hão de vir
que as que se foram?
Os braços rejeitados
aguardam
o desmoronamento protelado.

A angústia do nada
não logra vencer a ampulheta.
As portas não são ainda
o assomo do consumado.

Desencanto
O sonho realizado
acomodou-se preguiçosamente
na lua da rede
e foi cuidar
por tempo de sesta
na digestão burguesa.

Que o sonho futuro
por mais que sonhado
não passe de sonho.

Rotineiro
Ter que mastigar
o segredo encardido
que o sagrado não comporta.

Ter que expor ao cosmo
a pele trabalhada
e acomodar
entre os ossos carcomidos
o abominável.

Ter que cumprir o perpendicular
na estrada sem meta
quando os joelhos suplicam
o macio da terra.
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